Filme Contato (1997) - Uma Leitura Filosófica: Quando Fé e Ciência Caminham Juntas
- Carolini Melo
- 7 de mai.
- 6 min de leitura
Atualizado: há 3 dias
Comentar um filme de 1997 em pleno ano de 2025 pode até parecer inusitado, mas Contato é um daqueles filmes que merecem ser comentados, então resolvi escrever sobre ele. Confesso que nunca tinha ouvido falar do filme, até porque eu tinha 5 anos na data de seu lançamento. Só fui assistir, recentemente, por causa de uma indicação que recebi da minha atual chefe, rs.
Comecei a assistir sem pretensões e o que encontrei, no entanto, foi muito mais do que uma ficção científica. Descobri uma narrativa sensível, cheia de camadas filosóficas e existenciais, que me levou a escrever este texto como uma tentativa de traduzir a beleza e a profundidade dessa obra.
Dirigido por Robert Zemeckis e baseado na obra homônima de Carl Sagan, o longa é muito mais do que uma história sobre a possibilidade de existência, ou não, de vida fora da Terra, é uma metáfora poética e profunda sobre a relação complexa entre fé e ciência, e sobre um paradoxo existencial que habita a alma humana, entre o desejo simultâneo por certezas racionais e por experiências que transcendam a razão.
A trama tem um casal como protagonista: Ellie Arroway, uma cientista movida pela razão e pelo desejo de encontrar respostas no cosmos, e Palmer Joss, um teólogo que compreende o mundo pela ótica da fé.
Sabemos que, desde os primórdios da humanidade, ciência e fé caminham como dois viajantes que compartilham o mesmo solo, mas que quase nunca seguem lado a lado. É por meio dessa realidade perceptível que Contato propõe algo mais do que um simples contraste entre essas visões, transformando essa tensão milenar em um drama profundamente humano. O conflito entre o que pode ser provado e o que precisa ser crido é o coração dessa narrativa, sendo personificada na relação entre os dois protagonistas. Ellie e Palmer não são apenas personagens com visões opostas, eles simbolizam, em suas trajetórias, as duas grandes forças que moldam a alma humana na busca por sentido: a razão que quer compreender e a fé que ousa confiar.
O encontro entre os dois, no início da narrativa, já começa simbólico, deixando no ar uma conotação de momento significativo em que ciência e fé se olham com curiosidade, com respeito e uma certa fascinação mútua. No entanto, logo suas rotas se separam. Cada personagem segue seu caminho em busca, aparentemente, de propósitos distintos.
Mas o afastamento desses dois personagens não é definitivo. O reencontro finalmente acontece, como era de se esperar e, neste momento, Ellie e Palmer voltam a se olhar frente a frente, não mais com curiosidade mútua, mas como representantes conscientes de duas formas de compreender a realidade.
Em um evento formal, durante uma conversa marcada por uma intimidade de reencontro, Ellie, convicta de sua postura científica e racional, confronta Palmer sobre sua crença em Deus. Ela afirma que ele se apoia unicamente na fé, pois não pode provar aquilo em que acredita. Palmer, com tranquilidade, responde com uma pergunta inesperada: pergunta se ela amava o pai. Diante da confirmação de Ellie, ele apenas diz: "Então, prove!" A resposta a desarma. Não há fórmula, nem dado, nem argumento lógico que consiga traduzir aquilo. A cena dura poucos segundos, mas diz muito. De forma simples e direta, Palmer se depara com suas próprias limitações ao tentar explicar, em termos racionais, a experiência intangível do amor, uma verdade que, embora profundamente real, escapa a qualquer comprovação empírica. Para quem já assistiu ao filme, esse breve diálogo funciona quase como um prelúdio silencioso do dilema que Ellie enfrentaria adiante.
Ellie embarca em uma jornada extraordinária através do cosmos, viajando por um sistema de transporte construído a partir de instruções enviadas por uma inteligência extraterrestre. Durante essa travessia, ela presencia um espetáculo de beleza e magnitude indescritíveis, culminando em um encontro que desafia todas as fronteiras da razão. Ao retornar, no entanto, ela se vê diante do desafio de relatar uma experiência intensa e transformadora sem qualquer evidência física que a comprove.
Diante de um “tribunal” racionalista, ela se vê desafiada a apresentar evidências daquilo que viveu, mas tudo o que possui é o testemunho interior de uma verdade incontestável. E é aqui que a obra alcança sua genialidade ao colocar a cientista exatamente na posição em que, há séculos, se encontram aqueles que creem em Deus. Ellie, que sempre exigiu provas concretas, agora vive o mesmo impasse que tantos enfrentam ao tentar provar sua experiência que transcende o método científico, mas que nem por isso deixa de ser verdadeira.
Assim, a obra não apenas expõe a limitação da razão autossuficiente, mas exalta a nobreza da fé como forma legítima e profunda de conhecer a verdade, revelando que a fé não se opõe à razão, mas que a amplia e a completa. E o mais bacana é que, neste contexto, é Palmer, o homem de fé, quem se levanta para defendê-la.
Para fechar com chave de ouro, o filme nos oferece uma cena delicada e profundamente simbólica quando Ellie e Palmer entram juntos no carro, lado a lado, e partem. O reencontro entre os dois, nesse momento, vai além do romântico. Ele representa a reconciliação entre dois modos de compreender o mundo. Fé e Ciência, que um dia se tocaram e depois se afastaram, agora escolhem seguir juntas, não como rivais, mas como companheiras de jornada. Não se trata de reduzir uma à outra, nem de impor hierarquia entre elas, mas de reconhecer que ambas habitam a alma humana e colaboram, à sua maneira, na busca pela verdade. E, talvez, seja justamente essa a mensagem mais profunda do filme. Afinal, é por trás das grandes perguntas da ciência e dos anseios da religião que está o impulso que nos move: o desejo sincero de descobrir e encontrar aquilo que dá sentido à existência.
Diante do contexto filosófico que atravessa o filme, a trajetória da Ellie merece um olhar mais atento, pois é na complexidade dessa personagem que se manifesta, com maior intensidade, o coração humano de toda a obra.
Eu acho que todo o contexto da vida íntima da Ellie tem uma razão dentro da obra. Se olharmos com mais atenção para toda a trajetória de vida da personagem, conseguimos perceber que tudo aquilo que parece ser, superficialmente, apenas a história de uma mulher obstinada por uma busca científica e por um comprometimento profissional, é, na verdade, uma jornada emocional, quase espiritual.
Ellie passa a vida buscando sinais no universo, mas o que ela procura, no fundo, não está nas estrelas. Desde a infância, a perda abrupta do pai marcou sua alma com uma pergunta sem resposta: o que fazer quando a despedida não acontece? Quando o amor que se queria expressar fica preso na garganta e a última palavra nunca chega?
A vida dela passa a ser movida por uma ausência, por uma palavra que não foi dita, por uma despedida que não aconteceu. Isso transforma completamente sua vida e molda, de certa forma, todo o seu futuro.
Mais do que uma história sobre ciência e vida extraterrestre, Contato (1997) é um retrato sensível de uma ausência. Ellie não quer apenas provar a existência de vida fora da Terra. Ela quer retomar um momento que lhe foi negado, ou seja, o último contato com o pai.
A dor do luto, talvez não tão bem resolvido, a impulsiona para fora de si mesma, como se vasculhar o universo fosse a única forma de silenciar um vazio que carrega por dentro. E é justamente por isso que a experiência final só poderia ter sido realizada por ela. Um acontecimento elimina o outro candidato e Ellie acaba sendo escolhida para embarcar na missão. Não por ser a mais capacitada, apenas, mas porque carregava uma necessidade mais profunda de completar uma história que ficou suspensa no tempo.
A cena em que ela finalmente tem contato com outra inteligência é marcada por uma escolha poética, pois a forma que a entidade assume é a de seu pai. Não porque seja ele de fato, mas porque é essa imagem que habita sua memória mais íntima, é esse rosto que ela mais ansiava rever. A experiência se torna, então, uma reconciliação. Não com uma civilização distante, mas com uma ferida antiga. Não com um outro planeta, mas com sua própria história. Ela recebe, enfim, aquilo que mais buscava: a chance de dizer algo, de sentir a presença e de encerrar com amor o que terminou com dor.
Ao retornar, Ellie não consegue provar cientificamente o que viveu. Mas algo nela mudou.
Nesse ponto, acredito que a obra sugere, com delicadeza, que aquilo que muitas vezes buscamos fora é o reflexo do que nos falta por dentro, reforçando a ideia de que há uma força que insiste em nos dar as experiências de que precisamos para sermos inteiros.
No fim, Contato não é, para mim, um filme sobre alienígenas ou tecnologia. É sobre aquilo que verdadeiramente nos move: a busca por respostas que nos ajudem a compreender as ausências e a dar sentido ao vazio que carregamos. Uma busca que, mesmo sem nos completar totalmente, nos integra por dentro. Ainda que nunca encontremos todas as respostas, o próprio ato de procurar já nos transforma.
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