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Inception na vida real: como as obras ficcionais moldam o nosso pensamento e comportamento

  • Foto do escritor: Carolini Melo
    Carolini Melo
  • 28 de mai.
  • 4 min de leitura

Atualizado: há 10 minutos



Há filmes que a gente simplesmente assiste. Outros, a gente sente. Inception, pra mim, é desse segundo tipo. Não foi só pelo enredo bem construído, pelo elenco, pelos efeitos visuais, pela magnífica trilha sonora ou pelo final incrível, que tira o nosso sono, rs, embora tudo isso impressione. O que realmente me fisgou foi a ideia central do filme sobre a possibilidade de inserir um pensamento na mente de alguém com tanta sutileza a ponto dele se misturar à própria consciência, fazendo parecer algo genuíno, como se tivesse estado ali desde sempre.


Sempre fui apaixonada por filmes e séries, talvez porque, mesmo sem perceber, eu já buscava algo além da história contada, além da superfície. Nem sempre consigo identificar de imediato o que está por trás de uma narrativa, mas quando uma obra realmente me chama atenção é quase certo que há algo precioso ali.


Foi por causa dessa paixão, somada ao hábito de olhar as coisas com mais atenção, que me dei conta de uma questão inquietante. Na vida real, no nosso cotidiano, o que são os filmes, as séries, as novelas e tantas outras grandes produções artísticas senão formas reais de inception?


Acompanha comigo essa linha de raciocínio:


Todas as obras ficcionais contemporâneas não se limitam a entreter. Elas funcionam como veículos simbólicos que transportam ideias, valores e permissões disfarçadas de narrativas. Recheadas de beleza e emoção, essas narrativas constroem dentro de nós um repertório silencioso, que vai moldando, aos poucos, o que pensamos, no que acreditamos e até o que aprendemos a permitir a nós mesmos. É justamente por meio de uma roupagem encantadora que certas ideias entram no nosso inconsciente, quase sempre, sem serem notadas.


É aí que meu interesse desperta. É possível identificar que tipo de pensamento está sendo inserido como plano de fundo de uma grande produção? Que valores estão sendo sugeridos? Que padrões de conduta estão sendo oferecidos como se fossem normais e aceitáveis?


A série Emily em Paris, por exemplo, apresenta-se como uma comédia romântica charmosa e irreverente, construída para mexer significativamente com o emocional e imaginário de 99% do público feminino. No entanto, sob essa superfície envolvente, sob uma alegoria glamorosa cuidadosamente arquitetada, somos expostos a uma narrativa que promove uma constante relativização da moral ao insinuar valores completamente distorcidos.


Emily, a protagonista, entra em relações amorosas sem considerar vínculos prévios. Ela é movida por impulsos e por uma constante indecisão diante de suas próprias escolhas afetivas. Ela se envolve com o namorado da primeira amiga que fez ao chegar a Paris, não por maldade explícita, mas por acreditar que aquilo era “amor”. E é aí que a narrativa se mostra, sem alarde, ao insinuar que o desejo do momento e a ideia romântica de que “se é amor, então tudo se justifica” podem se sobrepor à lealdade, à prudência e, até mesmo, à noção de certo e errado.


Para quem tem o mínimo de discernimento sabe que amor não é essa força arrebatadora que nos consome sem controle. Amor, de fato, é decisão. É consciência. É responsabilidade moral diante do outro. Enfim, não estou aqui para discorrer sobre o amor, rs. O que mais importa, de fato, é que toda essa bagagem é entregue ao espectador como um lindo presente embrulhado em figurinos deslumbrantes, cenários magníficos e trilha sonora empolgante.  É assim que a mensagem principal se instala. Por parecer bonito, intenso e espontâneo, muito provavelmente aquilo deve ser considerado aceitável.


Quem consome essa narrativa sem maturidade e de forma completamente distraída, pode vir a acreditar que viver relacionamentos afetivos é simplesmente isso, seguir o “coração”, mesmo que, para isso, seja preciso atropelar a consciência.


Outro exemplo bastante interessante é o filme Como Eu Era Antes de Você. Trata-se de um filme que, à primeira vista, parece ser apenas mais uma história linda de amor. No entanto, o foco principal do filme é tratar com doçura e poesia a eutanásia, apresentando-a como uma escolha natural e até bonita. A decisão do personagem principal é envolta em música suave, lágrimas e palavras doces. O espectador não se revolta, se comove. E ali, mais uma vez, uma ideia vai sendo plantada com carinho. Toda aquela alegoria é construída para nos fazer acreditar que morrer pode ser um ato de amor, e consentir com isso também. Sem perceber, somos levados a aceitar, como natural, algo que deveria nos provocar uma pergunta incômoda. E muitas vezes, essa pergunta sequer chega a surgir, porque a beleza da narrativa ofusca a razão por meio de todo cenário romântico cuidadosamente construído.


É exatamente aí, my friend, que inception acontece: não há imposição, apenas sugestão. Ninguém diz “você deve” ou “é correto”, mas tudo SUSSURA “olha como pode ser bonito”. E isso, muitas vezes, é mais eficaz.


Se não houver maturidade e consciência suficientes para perceber o que está sendo absorvido, quando a vida real apresentar uma situação semelhante, a resposta já estará pronta. Não por escolha racional, mas porque, no inconsciente, aquela narrativa já pavimentou o caminho e criou um mecanismo de validação automática dos nossos atos. Uma espécie de histórico de permissão.


A diferença da vida real para o filme Inception é que não estamos dormindo e sendo programados em sonho, mas acordados, consumindo, extremamente distraídos e anestesiados pela carga emocional que as produções audiovisuais são capazes de nos proporcionar. E, nessa distração, ideias vão se instalando em nosso imaginário como se sempre tivessem estado lá, sem que tenhamos a capacidade de questionar de onde elas vieram ou por que acreditamos nelas. Apenas sentimos que são NOSSAS.


Aqui, citei apenas dois exemplos recentes, mas o catálogo das plataformas de streaming está repleto de narrativas desse tipo, principalmente dentro da cultura pop, que é amplamente consumida.


E não, não tô dizendo que agora a gente tem que virar um maluco analítico que não consegue mais assistir um filme por conta de símbolos ocultos, desconfiando de todo final feliz, rs. Também não acho que a gente deva se afastar da cultura pop. Até porque existem produções incríveis, carregadas de bons valores e mensagens genuínas. (Para os amantes de comédia romântica, indico About Time, rs. Assista, você não se arrependerá.)


O ponto não é rejeitar o entretenimento, mas aprender a enxergar além dele. Assistir com olhos mais atentos, mais consciente, pois toda obra carrega um discurso. E, o mais importante, todo discurso quer ser acreditado. Filmes, séries e novelas são mais do que distrações, são linguagens, símbolos e propostas de mundo. E quem os consome precisa saber disso.

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